O adjectivo "romântico" é de origem inglesa seiscentista (romantic) e deriva do substantivo romaunt, de origem francesa (roman ou rommant), que designa os romances medievais de aventuras. O emprego da palavra generalizou-se a tudo aquilo que evoca a atmosfera desses romances - a cavalaria e em geral a Idade Média - até que, no último quartel do século XVIII, Letourneur e, depois, J. J. Rousseau a adoptam em francês, distinguindo romantique e romanesque . Do Inglês e do Francês a palavra passou a todas as línguas europeias, e já nos primeiros anos dos século XIX Frederico Schlegel e Madame de Staël opunham "romântico" a "clássico".
De então para cá as palavras "romântico" e "romantismo" têm sido usadas com variadíssimos e por vezes incompatíveis significados, de acordo com critérios de classificação de ordem psicológica, estética, ou até restritamente formal, temática, se não mesmo de ordem política ou moral. Mas noções como a de Romantismo (e, já vimos, a de Renascimento, de Barroco ou de Iluminismo) põem a um estudo de história literária ou cultural, não tanto o problema de definir formalmente um conceito, como o de delimitar e caracterizar dada época, a partir do seu conhecimento multiforme e concreto. No entanto, só como amostra da natureza complexa e contraditória das realidades em que se inspiram as próprias definições abstractas de Romantismo, lembremos as principais características que lhe têm sido atribuídas.
Já a etimologia do termo indigita algumas das feições mais frequentemente tidas como definitórias do Romantismo: o gosto das tradições medievais, muitas delas conservadas no romanceiro e, em geral, na cultura folclórica, que a literatura clássica francesa tinha desdenhado, e por sua influência outras literaturas da Europa ocidental na fase chamada neoclássica (século XVIII). Em certos países durante séculos integrados em monarquias estrangeiras (é o caso das nações eslavas) ou temporariamente dominados pelos exércitos napoleónicos (como a Alemanha e a Espanha), as tradições folclóricas constituirão uma tendência fundamental do romantismo, que a burguesia letrada revaloriza em oposição à cultura sem raízes nacionais.
Por outra banda, esta tendência liga-se mais ou menos a certas características formais: o banimento da mitologia e dos processos eruditos da retórica greco-romana; a mistura dos géneros definidos e contrastados pelas numerosas artes poéticas clássicas (tipicamente: a fusão da tragédia e da comédia no drama burguês ou histórico); uma versificação mais plástica, variada e popularizante, fora do colete-de-forças de formas decassilábicas como o soneto; um estilo em que o sublime e o grotesco se justapõem, e sem aquelas perífrases e aquela selecção vocabular que antes se julgava manterem a fronteira entre o poético e prosaico.
Mas tal libertação estilística, ou, como disse Vítor Hugo, tal imposição do barrete frígio ao velho dicionário não pode, por seu turno, separar-se de um conjunto de inovações temáticas às amenidades do bucolismo clássico opõe-se o belo horrível, disforme, tenebroso, cemiterial ou fantástico (o que se liga com o magistério de Dante e Shakespeare); à ordem e medida, o desordenado e o desmesurado paisagístico e psíquico; aos contornos nítidos e diurnos, o enevoado, o nocturno, o sonho irreal; à racionalização e ponderação de toda a estrutura de uma obra, a factura improvisada, os versos lançados ao sabor das rimas muito audíveis, a digressão a propósito ou despropósito, a interrupção da narrativa para um comentário ou confidência ao leitor, o exagero sentimental e melodramático; em vez do epíteto que apenas classifica ou encarece genericamente um dado ser, cultiva-se uma adjectivação, uma pormenorização descritiva orientadas a dar a cor local ou histórica, o pitoresco e o exótico (não apenas o medievo, ou em geral, passadista, mas também o espanhol, argelino, oriental, o dos ambientes miseráveis, o das lendas e mitologias germânicas, célticas e outras).
Há dois aspectos a que se costuma dar um relevo especial, pela importância que assumem nos géneros literários mais típicos da época romântica (historiografia, ficção histórica, ficção e investigação de objecto sociológico, romance ou poema de fundo autobiográfico, memoralismo, lirismo egocêntrico): o historicismo e o individualismo.
Os decénios mais frequentemente cobertos pela designação de Romantismo foram aqueles em que o ponto de vista genético, histórico, se começou a impor nos mais variados domínios científicos (teoria das nebulosas como origem dos mundos, geologia, transformismo biológico) e sobretudo nos domínios sociológicos e filosóficos (filosofia da história; teoria sobre a génese da civilização e da literatura; teoria histórica do direito; linguística histórica; concepção de um progresso social indefinido, e não apenas político ou moral e com um objectivo final à vista, como era para os iluministas).
Quanto ao individualismo, aliás extremamente contraditório nas suas manifestações, costuma apontar-se, quer a sua consonância com o derrubamento final das instituições e ideologias senhoriais-absolutistas, e com o individualismo político e económico de ideologia e âmbito burgueses, quer a sua reacção a formas novas de degradação humana, e até ecológica, acarretadas pela omnipotência do dinheiro, agora com menos entraves às suas funções mercantis, e pela revolução industrial da máquina a vapor alimentada a carvão. Como principais facetas literárias deste individualismo mencionam-se o culto da originalidade pessoal, em oposição à teoria clássica da imitação emuladora; o tema da insaciedade humana, da aspiração indefinida, a dor "cósmica" de simplesmente existir, a obsessão da morte, o autobiografismo directo ou velado, a apologia do herói insociável e amoral ou fora da lei (o pirata, o bandido, o proscrito, etc.).
Este individualismo pode ir até ao extremo da autonegação, que se manifesta no gosto do sonho ou devaneio passivos, ou de qualquer evasão imaginativa para alhures no tempo e no espaço (historicismo, exotismo); no sentimentalismo amoroso indizível e irrealizável; em manifestações de anárquico irracionalismo ou misticismo; e até, dentro de certos ambientes e fases anti-iluministas ou anti-revolucionárias, no encarecimento de valores poéticos inerentes às lendas cristãs, ao culto católico e ao mais antigo viver aristocrático feudal. É típico sobretudo do romantismo alemão o senso de incomensurabilidade do indivíduo: a dor cósmica (Weltschmerz) e uma ironia de algo que, em nós, se sente transcendente ao mundo e, até, a qualquer expressão poética possível.
Esta simples indicação e relacionação superficial das notações mais frequentemente atribuídas ao Romantismo vale só pelos problemas que suscitam as suas próprias incoerências. O que mais importa é ver estas características nas suas relações concretas inesgotáveis e no seu movimento cronológico, tendo sobretudo em vista as obras literárias e aquilo que no drama da época melhor nos ajude a compreender a vida mais autêntica e ainda palpitante dessas obras. Sigamos, nas suas linhas ainda necessariamente gerais, mas quanto possível decisivas, o curso europeu das tendências consideradas românticas, a fim de as podermos relacionar e contrastar com as que se verificam na literatura portuguesa.
De então para cá as palavras "romântico" e "romantismo" têm sido usadas com variadíssimos e por vezes incompatíveis significados, de acordo com critérios de classificação de ordem psicológica, estética, ou até restritamente formal, temática, se não mesmo de ordem política ou moral. Mas noções como a de Romantismo (e, já vimos, a de Renascimento, de Barroco ou de Iluminismo) põem a um estudo de história literária ou cultural, não tanto o problema de definir formalmente um conceito, como o de delimitar e caracterizar dada época, a partir do seu conhecimento multiforme e concreto. No entanto, só como amostra da natureza complexa e contraditória das realidades em que se inspiram as próprias definições abstractas de Romantismo, lembremos as principais características que lhe têm sido atribuídas.
Já a etimologia do termo indigita algumas das feições mais frequentemente tidas como definitórias do Romantismo: o gosto das tradições medievais, muitas delas conservadas no romanceiro e, em geral, na cultura folclórica, que a literatura clássica francesa tinha desdenhado, e por sua influência outras literaturas da Europa ocidental na fase chamada neoclássica (século XVIII). Em certos países durante séculos integrados em monarquias estrangeiras (é o caso das nações eslavas) ou temporariamente dominados pelos exércitos napoleónicos (como a Alemanha e a Espanha), as tradições folclóricas constituirão uma tendência fundamental do romantismo, que a burguesia letrada revaloriza em oposição à cultura sem raízes nacionais.
Por outra banda, esta tendência liga-se mais ou menos a certas características formais: o banimento da mitologia e dos processos eruditos da retórica greco-romana; a mistura dos géneros definidos e contrastados pelas numerosas artes poéticas clássicas (tipicamente: a fusão da tragédia e da comédia no drama burguês ou histórico); uma versificação mais plástica, variada e popularizante, fora do colete-de-forças de formas decassilábicas como o soneto; um estilo em que o sublime e o grotesco se justapõem, e sem aquelas perífrases e aquela selecção vocabular que antes se julgava manterem a fronteira entre o poético e prosaico.
Mas tal libertação estilística, ou, como disse Vítor Hugo, tal imposição do barrete frígio ao velho dicionário não pode, por seu turno, separar-se de um conjunto de inovações temáticas às amenidades do bucolismo clássico opõe-se o belo horrível, disforme, tenebroso, cemiterial ou fantástico (o que se liga com o magistério de Dante e Shakespeare); à ordem e medida, o desordenado e o desmesurado paisagístico e psíquico; aos contornos nítidos e diurnos, o enevoado, o nocturno, o sonho irreal; à racionalização e ponderação de toda a estrutura de uma obra, a factura improvisada, os versos lançados ao sabor das rimas muito audíveis, a digressão a propósito ou despropósito, a interrupção da narrativa para um comentário ou confidência ao leitor, o exagero sentimental e melodramático; em vez do epíteto que apenas classifica ou encarece genericamente um dado ser, cultiva-se uma adjectivação, uma pormenorização descritiva orientadas a dar a cor local ou histórica, o pitoresco e o exótico (não apenas o medievo, ou em geral, passadista, mas também o espanhol, argelino, oriental, o dos ambientes miseráveis, o das lendas e mitologias germânicas, célticas e outras).
Há dois aspectos a que se costuma dar um relevo especial, pela importância que assumem nos géneros literários mais típicos da época romântica (historiografia, ficção histórica, ficção e investigação de objecto sociológico, romance ou poema de fundo autobiográfico, memoralismo, lirismo egocêntrico): o historicismo e o individualismo.
Os decénios mais frequentemente cobertos pela designação de Romantismo foram aqueles em que o ponto de vista genético, histórico, se começou a impor nos mais variados domínios científicos (teoria das nebulosas como origem dos mundos, geologia, transformismo biológico) e sobretudo nos domínios sociológicos e filosóficos (filosofia da história; teoria sobre a génese da civilização e da literatura; teoria histórica do direito; linguística histórica; concepção de um progresso social indefinido, e não apenas político ou moral e com um objectivo final à vista, como era para os iluministas).
Quanto ao individualismo, aliás extremamente contraditório nas suas manifestações, costuma apontar-se, quer a sua consonância com o derrubamento final das instituições e ideologias senhoriais-absolutistas, e com o individualismo político e económico de ideologia e âmbito burgueses, quer a sua reacção a formas novas de degradação humana, e até ecológica, acarretadas pela omnipotência do dinheiro, agora com menos entraves às suas funções mercantis, e pela revolução industrial da máquina a vapor alimentada a carvão. Como principais facetas literárias deste individualismo mencionam-se o culto da originalidade pessoal, em oposição à teoria clássica da imitação emuladora; o tema da insaciedade humana, da aspiração indefinida, a dor "cósmica" de simplesmente existir, a obsessão da morte, o autobiografismo directo ou velado, a apologia do herói insociável e amoral ou fora da lei (o pirata, o bandido, o proscrito, etc.).
Este individualismo pode ir até ao extremo da autonegação, que se manifesta no gosto do sonho ou devaneio passivos, ou de qualquer evasão imaginativa para alhures no tempo e no espaço (historicismo, exotismo); no sentimentalismo amoroso indizível e irrealizável; em manifestações de anárquico irracionalismo ou misticismo; e até, dentro de certos ambientes e fases anti-iluministas ou anti-revolucionárias, no encarecimento de valores poéticos inerentes às lendas cristãs, ao culto católico e ao mais antigo viver aristocrático feudal. É típico sobretudo do romantismo alemão o senso de incomensurabilidade do indivíduo: a dor cósmica (Weltschmerz) e uma ironia de algo que, em nós, se sente transcendente ao mundo e, até, a qualquer expressão poética possível.
Esta simples indicação e relacionação superficial das notações mais frequentemente atribuídas ao Romantismo vale só pelos problemas que suscitam as suas próprias incoerências. O que mais importa é ver estas características nas suas relações concretas inesgotáveis e no seu movimento cronológico, tendo sobretudo em vista as obras literárias e aquilo que no drama da época melhor nos ajude a compreender a vida mais autêntica e ainda palpitante dessas obras. Sigamos, nas suas linhas ainda necessariamente gerais, mas quanto possível decisivas, o curso europeu das tendências consideradas românticas, a fim de as podermos relacionar e contrastar com as que se verificam na literatura portuguesa.
In História da Literatura Portuguesa (DVD),
2002 Porto Editora
2002 Porto Editora
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