Por meados do século XIX as profundas transformações operadas pelo motor a vapor de água na produção industrial, nos transportes, na economia e nas relações sociais tinham feito surgir problemas e maneiras colectivas de pensar e sentir, já muito diferentes de tudo aquilo que estava na base do Iluminismo e da Revolução Francesa. No terreno científico, as concepções mecanicistas foram ultrapassadas: a termodinâmica mostrava a unidade e conversibilidade existente entre todas as formas de energia; a química orgânica ligara os fenómenos físico-químicos aos fisiológicos; as concepções transformistas generalizavam-se, verificando-se que tudo no mundo tinha uma história, desde os corpos celestes até à crosta terrestre, às espécies biológicas, às estruturas sociais, aos idiomas e aos princípios jurídicos. Esta concepção de um mundo todo explicável cientificamente e em constante transformação reflectiu-se no aparecimento da filosofia da história e afectou as crenças religiosas muito mais profundamente do que o mecanismo.
A nova mentalidade científica e filosófica não podia deixar de reflectir-se no modo de se encararem os problemas humanos que então se agravavam, com a industrialização e com a redução de uma percentagem crescente de pessoas à condição de assalariadas. Mas, além do surto de novas doutrinas históricas ou sociológicas, tais problemas e tal mentalidade produzem também os seus efeitos na arte literária. Como vimos, no Romantismo podem distinguir-se duas fases: a primeira, predominantemente passadista, conservadora, embora adaptada a um novo tipo de público; a segunda, desde cerca de 1830, em que os escritores entram a preocupar-se com os problemas humanitários mais clamorosos: a escravatura, que os mecanismos tornavam dispensável e que tolhia a mecanização; os horários excessivos do trabalho operário; o sufrágio universal; o analfabetismo; a delinquência causada pela miséria; a infância abandonada; etc. As consequências morais e sociais da caça ao lucro foram postas em relevo pelo grande romancista francês Balzac, na sua série de obras A Comédia Humana; a exploração da infância e dos miseráveis, as brutalidades do regime prisional então vigente são denunciadas por Hugo e Dickens; outros escritores muito populares ridicularizam o burguês e exaltam o humanitarismo (os romancistas franceses Eugène Sue, George Sand, Monnier; os ingleses Kingsley, Carlyle; o poeta Béranger).
Esta mentalidade científica, esta tendência para retratar os males sociais na obra literária, estreitamente relacionadas com as revoluções europeias de 1848 e o aparecimento das primeiras ideologias socialistas, conduziram ao chamado Realismo, escola de arte que procura esmerar-se na produção típica e desapaixonada da realidade, especialmente a realidade social humana, e que reage contra o devaneio individualista sentimental de quase todos os primeiros românticos. Os mais típicos realistas foram Courbet na pintura e Flaubert no romance (Madame Bovary).
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Sobre o realismo
Óscar Lopes e Júlio Martins, Manual Elementar de Literatura Portuguesa.
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